domingo, 7 de agosto de 2011

Agricultura Brasileira 3º anos

O ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO

A dupla face da modernização agrícola

Segundo dados do IBGE de 1999, 24,2% da PEA brasileira trabalha em atividades agrícolas, mas a agropecuária é responsável por apenas 8% do nosso produto interno bruto. Levando em conta ainda que grande parte dos trabalhadores agrícolas mora na periferia das cidades e se desloca diariamente ao campo para trabalhar como bóias frias em modernas agroindústrias, detentoras de grande parcela do PIB agropecuário, percebemos que, apesar da modernização verificada nas técnicas de produção em regiões onde agroindústria se fortaleceu, ainda persistem o subemprego, a baixa produtividade e a pobreza no campo.

Quando analisamos a modernização da agricultura, é comum pensarmos na modernização das técnicas e esquecermos de observar quais são as conseqüências da modernização nas relações sociais de produção e na qualidade de vida da população.

Cerca de 80% da força de trabalho agrícola é encontrada em pequenas e médias propriedades, que utilizam mão de obra familiar. Será que todos vivem nas mesmas condições? É óbvio que não. O que se verifica, na prática, são realidades de vida muito diferentes. Uma família que tenha uma propriedade rural próxima a um grande centro urbano e produza alimentos de forma intensiva para serem vendidos na cidade ou forneça matéria prima para as indústrias alimentícias, têxteis, farmacêuticas, etc., terá uma rentabilidade muito maior do que uma família que tenha a propriedade em uma área de difícil acesso e pratique agricultura extensiva.

No Brasil, verificou-se, até fins dos anos 80, um enorme crescimento da área cultivada com produtos agro-industriais de exportação, em detrimento de cultivos voltados ao abastecimento interno. Atualmente, produtos do mercado interno apresentam significativo aumento de produção. Isso se explica pela prática da associação de culturas em grandes propriedades.

Em algumas áreas do país, sobretudo no interior do estado de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, houve um grande fortalecimento da produção agro-industrial e da organização sindical que, de forma geral, melhorou a vida da população, tanto rural quanto urbana. As regiões Norte e Nordeste não acompanharam o ritmo de modernização e organização sindical do Centro-sul por razões históricas, como o amplo predomínio de latifúndios e a falta de investimentos estatais em obras de infra estrutura.

A outra faceta da modernização das técnicas é a valorização e conseqüente concentração de terras, a plena subordinação da agropecuária ao capital industrial, além da intensificação do êxodo rural em condições precárias. Caso um agricultor que se recuse ou não tenha as condições financeiras de comprara os fertilizantes fornecidos pelas indústrias, ele não conseguirá vender sua produção. Quem quiser ver sua produção exposta em gôndolas de supermercados ou nas barracas das feiras livres tem de utilizar produtos industriais em seus cultivos, daí a chamada dependência do campo em relação à cidade.

Nessa situação , os pequenos agricultores se vêem obrigados a recorrer a empréstimos bancários para se capitalizar e Ter condições de cultivar a terra dentro dos padrões exigidos. È comum, depois de acumular dívidas por alguns anos seguidos, serem obrigados a vender seu pedaço de terra, que ficou penhorado no banco quando contraiu o empréstimo, para evitar a quitação da dívida através de leilão.

O estatuto da terra e a estrutura fundiária

O estatuto da terra é um conjunto de leis criado em novembro de 1964 e que possibilitou a realização de um censo agropecuário. Procurava-se estabelecer uma política de reforma agraria que, na prática, foi implantada com muita timidez em áreas de conflito, com o claro intuito de abafar focos de pressão popular.

Para sua realização, surgiu a necessidade de classificar os imóveis rurais por categorias, da mesma forma que, para realizar o censo demográfico, as pessoas são classificadas por idade, sexo, etnia e renda. Logo surgiu a primeira dificuldade: como as condições físico-geográficas do imenso território brasileiro são extremamente diversas, uma unidade fixa de medida (por exemplo, um hectare - dez mil metros quadrados) não poderia ser utilizada na classificação dos imóveis rurais. Um hectare do oeste paulista corresponde a uma medida agrícola totalmente diferente de um hectare no solo ácido do cerrado ou no sertão nordestino.

Para resolver a questão, foi criada uma unidade de medida de imóveis rurais - o módulo rural - assim definida: "área explorável que, em determinada porção do país, direta e pessoalmente explorado por um conjunto familiar equivalente a quatro pessoas adultas, correspondendo a mil jornadas anuais, absorva toda a força de trabalho em face do nível tecnológico adotado naquela posição geográfica e, conforme o tipo de exploração considerado, proporcione um rendimento capaz de assegurar-lhe a subsistência e o progresso social e econômico." Em outras palavras, módulo rural é a propriedade que deve proporcionar condições dignas de vida a uma família de quatro pessoas adultas. Assim, ele possui área de dimensão variável, levando em consideração basicamente 3 fatores que, ao aumentarem o rendimento da produção e facilitar a comercialização, diminuem a área do módulo:

· Localização da propriedade - se o imóvel rural se localiza próximo a um grande cetro urbano, em região bem atendida pelos sistemas de transportes, ele proporciona rendimentos maiores que o imóvel mal localizado e, portanto, terá uma área menor;

· Fertilidade do solo e clima da região - quanto mais propicias as condições naturais da região, menor a área do módulo;

· Tipo de produto cultivado - em uma região do país onde se cultiva por exemplo, mandioca e se utilizam técnicas primitivas, o módulo rural deve ser maior que em uma região que produz morango com tecnologia moderna.

Depois de acertada a unidade de medida, foram criadas as categorias de imóveis rurais:

· Minifúndio - "Todo imóvel com área explorável inferior ao módulo fixado para a respectiva região e tipos de exploração nela ocorrentes." Na prática, esses são os grandes responsáveis pelo abastecimento do mercado interno de consumo, já que sua produção é, individualmente, obtida em pequenos volumes, o que inviabiliza economicamente a exportação.

· Latifúndio por dimensão - "Todo imóvel com área superior a seiscentas vezes o módulo rural médio fixado para a respectiva região e tipos de exploração nela ocorrentes." São as enormes propriedades agro-industriais, com produção quase sempre voltada à exportação.

· Latifúndio por exploração - "Todo imóvel cuja dimensão não exceda aquela admitida como máxima para empresa rural (600 vezes o módulo rural), tendo área igual ou superior à dimensão do módulo da região, mas que seja mantida inexplorada em relação as possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou que seja deficiente ou inadequadamente explorada, de modo a vedar-lhe a classificação como empresa rural. "Tratam-se dos imóveis rurais improdutivos, voltados à especulação imobiliária. O proprietário não adquiriu a terra com a intenção de nela produzir, gerar emprego e ajudar o país a crescer, mas para esperara sua valorização imobiliária, vendê-la e ganhar muito dinheiro sem trabalhar.

· Empresa rural - propriedade com área de uns seiscentos módulos, adequadamente explorada em relação às possibilidades da região. Nessa categoria, temos as médias propriedades, geralmente com produção de matéria prima para abastecer a agroindústria da laranja, da cana, etc.

Embora o Estatuto da Terra permaneça válido do ponto de vista legal, essa classificação foi utilizada pelo IBGE somente na realização dos censos agropecuários de 1965, 1975 e 1985.

A partir da década de 1990, esses critérios foram abandonados e passou-se a utilizar uma classificação regulamentada em lei após a Constituição de 1988. Assim, são consideradas pequenas as propriedades de até 4 módulos; médias, as de 4 a 15 módulos; e grandes, as maiores do que 15 módulos.

Essa mudança foi necessária porque o artigo 185 do capítulo sobre reforma agrária proíbe a desapropriação de pequenas e médias propriedades, assim como das grandes propriedades produtivas, para fins de assentamentos rurais.

O Brasil é o país que apresenta uma das maiores concentrações de terra do mundo, verificamos aqui uma grande concentração de terras nas mão de alguns poucos proprietários, enquanto a maioria dos produtores rurais detém uma parcela muito pequena da área agrícola. Há, ainda, centenas de milhares de trabalhadores rurais sem terra. Essa realidade é extremamente perversa, à medida que cerca de 32% da área agrícola nacional é constituída por propriedades onde a terra está parada, improdutiva.

As relações de trabalho na zona rural

Em nossa zona rural predominam as seguintes relações de trabalho:

· trabalho familiar - Na agricultura brasileira, predomina a utilização de mão de obra familiar em pequenas e médias propriedades de agricultura de subsistência ou jardinagem, espalhadas pelo país. No caso de a família obter bons índices de produtividade e de rentabilidade, a qualidade de vida é boa e seus membros raramente sentem necessidade de complementar a renda com outras atividades. É uma situação encontrada no cinturão verde das grandes cidades e em algumas regiões agro-industriais, com destaque para a região da laranja no estado de S.Paulo. Mas, quando a agricultura é praticada pela família é extensiva, de subsistência, todos os membros se vêem obrigados a complementar a renda como trabalhadores temporários ou bóias frias em épocas de corte, colheita ou plantio nas grandes propriedades agro-industriais. Às vezes, buscam subemprego até mesmo nas cidades, retornando ao campo apenas em épocas necessárias ou propícias ao trabalho na propriedade familiar. Sempre abandonados pelos serviços públicos e excluídos do acesso a financiamentos agrícolas, esses lavradores pobres geralmente acabam por vender sua propriedade, instalando-se em submoradias na periferia das grandes cidades. Sua fonte de renda é o subemprego, já que o Estado nunca se preocupou em amparar os que considera subcidadãos, gerando no mínimo, o recrudescimento da violência, tanto rural quanto urbana. Essa condição miserável de vida está espalhada por todos os estados, sobretudo em áreas distantes dos grandes centros urbanos e que não receberam investimentos governamentais em obras de infra estrutura.

· Trabalho temporário - Os bóias-frias (Centro-sul), corumbás (Nordeste e Centro-oeste) ou peões (Norte) são trabalhadores diaristas, temporários e sem vínculo empregatício. Em outras palavras, recebem por dia segundo a produtividade. Eles têm serviço somente em algumas épocas do ano e não possuem carteira de trabalho registrada. É uma mão de obra que atende principalmente à agroindústria de cana de açúcar, laranja, algodão e café, trabalhando apenas no período do plantio e do corte ou da colheita. Quando a família que se sujeita a essa relação ilegal de trabalho possui uma pequena propriedade, ela faz um "bico" no latifúndio e retorna para casa. Quando nada possuem, as famílias são "volantes", ou seja, ao terminar a temporada de serviço em uma região, são obrigadas a se deslocar pelo campo até encontrar trabalho novamente. Embora completamente ilegal, essa relação de trabalho continua existindo, em função da presença do "gato", um empreiteiro que faz a intermediação entre o fazendeiro e os trabalhadores. Por não ser empresário, o gato não tem obrigações trabalhistas, não precisa registrar os funcionários. Em algumas regiões do Centro-Sul do país, sindicatos fortes e organizados passaram a fazer essa intermediação. Os bóias-frias agora recebem sua refeição no local de trabalho, têm acesso a serviços de assistência médica e recebem salários maiores que os bóias-frias de regiões onde o movimento sindical é desarticulado. Contudo, ainda enfrentam condições muito precárias de vida, já que seus filhos não têm acesso a um sistema educacional e também estão fadados ao subemprego. As estatísticas referentes à quantidade de trabalhadores temporários utilizados na agricultura são precárias, pois alguns bóias-frias são também pequenos proprietários. Calcula-se que aproximadamente 10% da mão de obra agrícola viva nessas condições.

· Trabalho assalariado - Representa apenas 10% da mão de obra agrícola. São trabalhadores que possuem registro em carteira, recebendo, portanto, pelo menos um salário mínimo por mês. Trabalhando em fazendas e agroindústrias, tem direito ainda a férias, com acréscimo de 30% do salário, 13º salário, FGTS, descanso semanal remunerado e aposentadoria.

· Parceria e arrendamento - Parceiros e arrendatários "alugam" a terra de alguém para cultivar alimentos e criar gado. Se o aluguel for pago em dinheiro, a situação é de arrendamento. Se o aluguel for pago com parte da produção, combinada entre as partes, a situação é de parceria.

· Escravidão por dívida - Trata-se do aliciamento de mão de obra através de promessas mentirosas. Ao entrar na fazenda, o trabalhador é informado de que está endividado e, como seu salário nunca é suficiente para quitar a dívida, fica aprisionado sob vigilância de jagunços fortemente armados.

Nossa produção agropecuária

O Brasil se destaca no mercado mundial como exportador de alguns produtos agrícolas - café, açúcar, soja e suco de laranja. Entretanto, para abastecer o mercado interno de consumo, há a necessidade de importação de alguns produtos, com destaque para o trigo, cuja área plantada foi reduzida a partir de 1990. Nesse ano, foi quebrado o monopólio da comercialização exercido pelo Banco do Brasil e, a partir de então, os moinhos ficaram livres para comprar de qualquer fornecedor, nacional ou estrangeiro. Como a produção de trigo da Argentina e EUA recebe fortes subsídios governamentais para a exportação, o produto importado chega ao Brasil mais barato que o internacional.

Ao longo da história do Brasil, a política agrícola tem dirigido maiores subsídios aos produtos agrícolas de exportação, cultivados nos grandes latifúndios, em detrimento da produção do mercado interno, obtida em pequenas e médias propriedades. Porém, em 1995, houve uma inversão de rumos e os produtos que receberam os maiores incentivos foram feijão, a mandioca e o milho, que, assim, passaram a apresentar significativo aumento da área cultivada e da produção obtida.

A política agrícola tem como objetivos básicos o abastecimento do mercado interno, o fornecimento de matérias primas para a indústria, e o ingresso de capitais através das exportações. Atualmente, com a elevação dos índices de desemprego tecnológico e as possibilidades de urbanização dos trabalhadores agrícolas, a realização competente de uma reforma agrária só traria benefícios a população e ao país.

Na pecuária brasileira, destacam-se os bovinos, criados de forma predominantemente semi-extensiva. Embora predomine o gado rústico, de menor aproveitamento da carcaça, a maior parte atualmente dos animais é vacinada e alimentada em pastagens cultivadas. Somente em regiões onde há deficiência no sistema de transportes, ou quando o solo não oferece boas condições de utilização agrícola e, portanto, produção de ração, a pecuária ainda é extensiva, caracterizando-se pelo baixo aproveitamento da terra, pela subnutrição e por baixos índices de fertilidade.

As principais áreas do país que ainda apresentam essa realidade são a periferia da Amazônia, o Sertão nordestino e o Pantanal mato-grossense.

A pecuária semi-extensiva se desenvolve em regiões de economia dinâmica - oeste paulista, Triângulo mineiro e Campanha gaúcha -, onde há seleção de raça e elevados índices de produtividade e rentabilidade e em algumas áreas de expansão das fronteiras , como Tocantins, Rondônia e Mato Grosso, principalmente. Nos cinturões verdes e nas bacias leiteiras, a criação de bovinos é praticada de forma intensiva, com boa qualidade dos rebanhos e alta produtividade de leite e carne. Nessa modalidade de criação, destacam-se o Vale do Paraíba (S. Paulo) e o sul de Minas Gerais. Já o centro-oeste de Santa Catarina apresenta grande concentração de frigoríficos e se destaca na criação de aves e suínos em pequenas e médias propriedades que fornecem a matéria prima às empresas.

Fonte: Geografia Geral e do Brasil, Sene e Moreira, Editora Scipione.

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